TEC

Teatro Experimental de Cascais

D. QUIXOTE

de Yves Jamiaque

TEC Teatro Experimental de Cascais
9ª produção | 1967

D. QUIXOTE
de Yves Jamiaque
tradução Mário Delgado
encenação Carlos Avilez
cenografia | figurinos João Vieira
coreografia Águeda Sena
assistência de encenação João-Pedro Cascais
assistência de figurinos Elmano Ribeiro
electricidade Amândio Mendes Lima
contra-regra Alfredo Martinho
maquinaria de cena Nuno de Sousa
operação de luzes Manuel Miranda
direcção de cena Ruy de Matos
sonoplastia Fernando Pires
montagem de som Fernando Dias
execução de guarda-roupa Maria Adelina Ferreira
manutenção de guarda-roupa Vitória de Sousa
ponto José David
fotografias de cena J. Marques
cartaz Arq.º Fernando Fonseca
relações públicas | programa Maria Virgínia de Aguiar
assistência de publicidade José Esteves | Manuel Alhinho

interpretação António Évora, António Marques, Augusto Leal, Carlos Azevedo, João-Pedro Cascais, João Vasco, José David, José de Sousa, Maria do Céu Guerra, Marília Costa, Mirita Casimiro,
Nicolau Paiágua, Norberto Barroca, Laura Soveral, Lia Gama, Luís Filipe Aguiar, Luís Lima Barreto, Luísa Neto, Raul Caria, Ruy de Matos, Santos Manuel, Wladimiro Franklin, Zita Duarte

distribuição
Barbeiro João Vasco
Governanta Luísa Neto
Sobrinha Zita Duarte
Cura Norberto Barroca
D. Quixote Santos Manuel
1º Livro Augusto Leal
2º Livro João-Pedro Cascais
3º Livro António Marques
4º Livro Lia Gama
Pastora Maria do Céu Guerra
Sancho Pança Ruy de Matos
Teresa Pança Mirita Casimiro
1º Almocreve Wladimiro Franklin
2º Almocreve António Marques
3º Almocreve João-Pedro Cascais
4º Almocreve Nicolau Paiágua
5º Almocreve José David
6º Almocreve Luís Lima Barreto
7º Almocreve Carlos Azevedo
8º Almocreve António Évora
9º Almocreve Raul Caria
10º Almocreve José de Sousa
1ª Prostituta Lia Gama
2ª Prostituta Zita Duarte
3ª Prostituta Marília Costa
4ª Prostituta Laura Soveral
Maritorna Maria do Céu Guerra
Estalajadeiro Augusto Leal
Estalajadeira Lia Gama
Criança Luís Filipe Aguiar
1º Guarda Wladimiro Franklin
2º Guarda Raul Caria
1º Forçado João-Pedro Cascais
2º Forçado Nicolau Paiágua
3º Forçado Luís Lima Barreto
4º Forçado Carlos Azevedo
Arauto António Marques
Princesa Maria do Céu Guerra
Criado Wladimiro Franklin
Rei Luís Lima Barreto
Aia Marília Costa
1º Médico Carlos Azevedo
2º Médico Nicolau Paiágua
3ª Médico Wladimiro Franklin
Bobo Mirita Casimiro
Morte Marília Costa
Anjo António Marques
Diabo João Vasco
Cigana Lia Gama
Águia João-Pedro Cascais
Duque Augusto Leal
Duquesa Laura Soveral
1ª Dama Zita Duarte
2ª Dama Lia Gama
1º Fidalgo Carlos Azevedo
2º Fidalgo João-Pedro Cascais
Dueña Marília Costa
Trifaldino António Marques
Notário Luís Lima Barreto
Dulcineia Maria do Céu Guerra

O «meu» D. Quixote
Pouco a pouco a figura de aço afasta-se da areia dourada dos livros e cai no abismo onde a paisagem do sofrimento acentua as suas colorações. Sucedem-lhe as colinas vermelhas, cor de sangue morto, a águia, o archote ou os imperadores, que sobem com seus cinismos e dores os praticáveis de madeira quente.
Enorme, patético, petrificado D. Quixote passa a noite de vigília, antes de ser armado cavaleiro, numa capoeira onde o terror e a memória trazem a poderosa marca do ridículo. Nos seus flancos finos de errante, a espuma do galope de Rocinante e atrás, o doce Sancho covarde. Dulcineia, vítima ou traidora, irá desaparecendo.
As feridas incham os pés do cavaleiro que está ali para dar combate à corrupção. A estradas, os palácios, as igrejas, os pátios, os jardins, são, na sua imaginação jamais fatigada, os infernos de onde se torna quase sempre possível arrancar os justos, os heróis. A monotonia regulada da sua voz transforma-se na violenta afirmação do seu agir. Imenso cemitério de terra, para onde vai D. Quixote? O Sancho que espera uma ilha «e tem tão pouca cência que só poderá governar seres vivos», não desdenha do azul da noite, do olhar cioso e meigo de sua mulher Teresa. Mas que tem ele, Quixote, além de uma revolta, sempre renovada face à mediocridade e à miséria?
«O meu propósito é dar combate à corrupção. E tenho aqui, na cabeça, mil meios de mostrar que só se vive dos frutos da terra, do ouro do céu e da água da nascente! Os palácios não passam de pedras, como os diamantes! Pés com sapatos à polaca ou com tamancos são pés na mesma. Tudo vem da terra sobre a qual caminham. Tudo é pisado, e o lavrador caminha sobre mais tesouros do que o rei porque caminha mais!...Neste sentido, o maior tesouro pertence aos cavaleiros errantes que nunca se detêm, Eis como sou rico, eu que vos falo sem um único cêitil no bolso...»

Essa maior afirmação deste novo Cristo colérico que, como disse Avilez, é um Cristo para a nossa geração.
Numa outra manhã o outono astral, o vento e os rochedos fustigam o caminhar do Cavaleiro. As orelhas feridas nos combates sem destino, as primeiras derrotas, o primeiro frio. Se o céu caísse sobre a terra era aqui que cairia, neste verde penoso que dá acesso à mais estranha procissão pensável. Dolorosamente Quixote e Sancho observam.
A Morte, montada num Anjo, e Satanás pegando-lhe no manto. A seu lado o Bobo e a Feiticeira. Um arrepio de pavor, acende os olhos do Cavaleiro: é o início dos moinhos de vento que mais tarde virão confirmar a queda no abismo. Nenhuma experiência informa Quixote, que já subiu ao céu no veloz clavilenho de madeira. Irremediável de verdade, a inteligência e a coragem o devoram. E se a a morte parece escapar-lhe, também ele diz a Sancho que «é necessário alcançá-la!»
O paralelismo dos sofrimentos, a tentação do erotismo, o luto dos combates, a corte frívola, a fraternidadedo único Amigo, a Dulcineia que o procura para lhe perguntar se se perdeu, se desiste, nada detem o Cavaleiro a quem a ambição próxima acometeu. «Morro por estratégia...». Diz. «Para que não me retenham por mais tempo». Mas todos sabemos que a sua indiscutível grandeza não teria destino mais alto a que aspirar.

Maria Virginia de Aguiar
Cascais, 1967
in programa do espectáculo

Maiores de 12 anos

agradecimentos
Ângela Pereira, Béu, Carlos Ramalho, J. Marques, Joaquim Lobo, Dr. Josias Gyll, Pinto de Campos, Teodoro dos Santos
Casa Atrium, Casa Monteiro, Direcção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cascais, Fidelsom, Fotogravura Mirandela & C.ª Irmão, Jornal da Costa do Sol, Loja do Vítor, Tipografia Cardim, União Eléctrica Cascalense

Estreia 18 Maio 1967
Teatro Gil Vicente - Cascais


Fotografias
© J. Marques